Documentário feito por estudante valinhense aborda desafios e lutas pela preservação da Serra dos Cocais
26/12/2024
Projeto explora a biodiversidade e as ameaças enfrentadas por um dos maiores patrimônios naturais do interior paulista. Há anos, especialistas tentam transformar a Serra dos Cocais em uma área de Área de Proteção Ambiental (APA)
Pedro Tomatty
"Entre Vales e Serras", documentário dirigido pelo valinhense Pedro Tomatty, estudante de Comunicação Social – Midialogia na Unicamp, explora as histórias e os segredos naturais da Serra dos Cocais, o maior patrimônio ambiental da cidade de Valinhos (SP).
A obra destaca a biodiversidade única da região, suas formações geológicas raras, e o papel essencial da Serra tanto para o equilíbrio ambiental quanto para a preservação histórica da cidade.
O projeto também traz à tona as ameaças enfrentadas pelo local, incluindo incêndios criminosos, a expansão imobiliária desordenada e descaso político, com o objetivo de conscientizar a população sobre a urgência de proteger esse valioso patrimônio natural e cultural.
A estreia está prevista ainda para o mês de dezembro, com exibições planejadas no YouTube (por um período limitado) e no auditório da Câmara Municipal de Valinhos.
O filme foi realizado com apoio da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022) e de doações, surgindo a partir de um projeto acadêmico da faculdade. No mesmo período, notícias sobre a descoberta de cavernas na Serra dos Cocais e possíveis animais endêmicos na região começaram a circular, o que despertou o interesse de Pedro em investigar mais a fundo e fazer disso a sua obra.
“Sempre tive o desejo de produzir algo significativo para minha cidade. Sempre fui fascinado por documentários sobre a natureza, e esse interesse me motivou a investigar mais profundamente essas descobertas”, relata o diretor.
O local enfrentou um dos piores incêndios da história do conjunto de montanhas entre os meses de agosto e setembro de 2024
Pedro Tomatty
Segundo ele, ao se aprofundar no tema, se deparou com um universo que até então desconhecia: histórias, ameaças e belezas de sua própria cidade que nunca tinha percebido, mesmo vivendo no local por tantos anos.
“Percebi, então, que a história de Valinhos, os perigos que a Serra enfrentava e seus encantos naturais precisavam ser revelados à comunidade. Meu objetivo foi compartilhar essas descobertas para conscientizar as pessoas sobre a importância de proteger o passado, o presente e o futuro da Serra dos Cocais e de Valinhos”, explica Pedro Tomatty.
Ao longo da jornada, Pedro teve a ajuda do biólogo Fábio Motta, biólogo e pesquisador responsável por muitos estudos de fauna na Serra dos Cocais. Fábio foi responsável por fazer todo o inventário de vertebrados terrestres da região, que inclui anfíbios, aves, répteis e mamíferos.
Desafios para preservação
Fábio explica que os desafios para a preservação da biodiversidade da Serra dos Cocais são muitos. Apenas 1,5% do território foi estudado, o que dificulta a identificação completa das espécies e suas necessidades de proteção.
A perereca-de-banheiro (Scinax fuscovarius) é uma espécie comum da região que ocorre no local
Pedro Tomatty
“A Serra dos Cocais tem um encontro de biomas. Essa quantidade de biomas forma ambientes únicos. Isso propicia às espécies uma diversidade também bem única. A nossa maior barreira para entender como proteger os animais da Serra é conhecer quem eles são”, informa o biólogo.
Outro grande obstáculo é a resistência de proprietários de terras, o que compromete tanto a proteção das espécies conhecidas quanto a chance de identificar aquelas que podem estar sendo perdidas em incêndios e outras ameaças.
“Além de proteger os animais que a gente conhece, é saber quem a gente está perdendo sem nem conhecer. Quem são as espécies que são mortas nesses incêndios que a gente ainda nem conhece?”, indaga Fábio.
Conscientização e conservação
O principal objetivo do “Entre Vales e Serras” é conscientizar a comunidade sobre as ameaças que impactam não apenas a Serra dos Cocais, mas a cidade de Valinhos como um todo. Pedro acredita que, ao mostrar às pessoas o que elas têm ao seu redor– as riquezas naturais, históricas e culturais–, é possível fomentar um senso de pertencimento e responsabilidade.
“Com maior conhecimento sobre a importância da Serra e os riscos que ela enfrenta, esperamos mobilizar a população para pressionar o poder público a tomar medidas efetivas para proteger o meio ambiente”, relata Pedro.
A Serra dos Cocais é o maior patrimônio ambiental da cidade de Valinhos
Pedro Tomatty
Mais do que preservar a natureza, trata-se de preservar a história e a identidade da cidade. O documentário busca ser um instrumento para despertar essa conscientização e promover ações que garantam o futuro sustentável da Serra e de Valinhos.
“Descobrir que a Serra dos Cocais abriga cachoeiras foi algo impressionante para mim, pois eu não fazia ideia de que Valinhos possuía essas belezas naturais. Além disso, o contato direto com os animais da região foi uma experiência incrível. Pude observar e fotografá-los em seu habitat natural, algo que me conectou ainda mais com a riqueza da Serra”, diz o idealizador do projeto.
Pedro ainda acredita que o documentário pode ser um catalisador importante para a criação de uma Área de Proteção Ambiental (APA) na região. Segundo ele, desde o início o projeto teve a intenção de contribuir para a preservação da Serra dos Cocais e seu entorno.
“Espero que o público saia do documentário com uma nova perspectiva sobre a Serra dos Cocais, compreendendo sua importância para Valinhos e sentindo-se motivado a conhecê-la e protegê-la. Quero que eles levem a curiosidade de explorar mais sobre essa riqueza natural que pertence a toda a população da cidade”, diz.
A preservação da fauna e do ecossistema da Serra dos Cocais depende diretamente do engajamento da comunidade. Nos últimos anos, especialmente após os incêndios recentes, houve uma mobilização inédita da população de Valinhos e Vinhedo, que começou a compreender a gravidade dos danos ambientais, como a má qualidade do ar e a perda de visibilidade.
Essa conscientização incentivou ações como mutirões para levar alimentos aos animais afetados, evitando que eles fossem para as rodovias e sofressem atropelamentos.
“Nesses últimos três anos a gente nunca tinha tido um apoio tão grande da comunidade, nem em decisões de políticas ambientais durante o processo de plano diretor, nem em nenhuma outra pauta até os incêndios desse ano”, diz Fábio Motta.
Entre as ações práticas, é fundamental que os moradores se envolvam ativamente nas decisões políticas ambientais, cobrando governantes e órgãos públicos sobre medidas para proteger a Serra. Além disso, participar de projetos sociais, como plantio de árvores, produção de mudas e atividades de educação ambiental, pode fortalecer a luta pela preservação.
A união da comunidade é crucial para pressionar por mudanças significativas, como aconteceu recentemente, quando a mobilização popular conseguiu paralisar um projeto de condomínio que ameaçava a região. O conhecimento técnico, aliado ao engajamento coletivo, é a chave para garantir a conservação desse patrimônio natural.
“Quando as pessoas se isolam dessas comunidades, se isolam do potencial de se unir em prol de uma causa, a causa acaba morrendo. E foi isso que aconteceu por muito tempo aqui na Serra dos Cocais. Quando a população pela primeira vez esse ano se mobilizou para proteger a Serra, para entender o que era, ficou com medo de perder”, finaliza Fábio.
*Texto sob supervisão de Lizzy Martins
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