Diretores afastados apontam improviso e falta de mentoria em curso de reciclagem da gestão Nunes: 'Ficamos sós, olhando para as paredes'

  • 25/06/2025
(Foto: Reprodução)
O g1 ouviu cinco diretores das delegacias regionais de ensino de Butantã, Penha, Guaianases e Pirituba. Eles narraram cumprir jornada de 8 horas e meia nas delegacias sem nenhuma mentoria. Prefeitura diz que é mentira e que o grupo já teve mais de 50 horas de formação. Diretora afastada mostra diretoria de ensino de Guaianases vazia durante reciclagem Diretores afastados das escolas municipais de São Paulo pela gestão Ricardo Nunes (MDB) afirmam que o curso de aperfeiçoamento e requalificação anunciado pela prefeitura com o objetivo de melhorar a gestão escolar é improvisado, não conta com mentoria nem segue um padrão. Ao g1, eles destacaram ter sido retirados das atividades escolares pela Secretaria Municipal da Educação (SME), pasta chefiada por Fernando Padula, sem que fossem nomeados substitutos. A reportagem ouviu cinco profissionais das DREs do Butantã, da Penha, Campo Limpo, Guaianases e Pirituba. Passados mais de 20 dias desde o início do programa Aprimorando Saberes, eles dizem que as aulas de formação que deveriam ocorrer nas diretorias regionais de ensino (DREs) não estão acontecendo. O programa prevê que os diretores deveriam passar uma semana recebendo aulas de reciclagem nas próprias DREs onde atuam e, na outra, acompanhariam palestras na sede da secretaria, na Vila Clementino. Mas não foi o que aconteceu com a diretora Alessandra Messias Cardozo, da EMEF CEU Paraisópolis. Ela questiona a falta de planejamento. "Eles nos tiraram da escola para fazer a gente cumprir mais de oito horas de jornada nas delegacias regionais de ensino da nossa área. Mas, chegando à DRE, não tem nenhum tutor, ninguém para nos orientar. Aplicam um questionário que poderia ser respondido pela internet e depois não sabem o que fazer com a gente", afirmou. A escola que ela administra pertence à delegacia regional do Campo Limpo e, depois de 20 dias de licença médica, a diretora deveria ter tido a primeira aula de formação na segunda-feira (23). "A gente fica na delegacia sozinhos, literalmente olhando para as paredes, sem nenhuma assistência ou plano pedagógico. Não aparece ninguém para ensinar nada. Eles entregam alguns papéis para a gente fazer a leitura e vão embora. Deu o horário de fim da jornada de trabalho, todos da delegacia vão embora, enquanto a gente está lá de braços cruzados, esperando o tempo passar e as horas serem cumpridas. E as escolas precisando da gente...", disse Alessandra. Um dos registros dessa situação foi compartilhado nas redes sociais pela diretora Rute Rodrigues Reis. Na segunda-feira (23,) ela filmou o prédio da Diretoria Regional de Ensino de Guaianases completamente vazio, enquanto aguardava o fim das oito horas e meia de jornada de reciclagem obrigatória (veja vídeo acima). O registro foi feito às 22h20, onde apenas um vigia e uma colega supervisora estavam no prédio. Como a EMEF Saturnino Pereira, onde ela trabalha, tem Ensino de Jovens e Adultos (EJA) no período noturno, a jornada teria que ser cumprida até as 23h, que é a mesma da diretora na escola da Zona Leste. No registro em vídeo, a diretora - que tem pós-doutorado em Educação pela USP e mestrado em Portugal também na área - afirma que os diretores estão vivendo uma situação de "cárcere". “Os diretores da rede municipal de São Paulo estão vivendo uma situação de cárcere. De afastamento dos seus locais de trabalho para ficar num cárcere. Isso leva o caos para os nossos locais de trabalho [por conta do afastamento dos diretores sem outra pessoa assumir]. Essa é a tal formação que eles supostamente estão nos oferecendo [uma sala vazia]”, comentou. Diretora Rute Reis grava vídeo mostrando a delegacia de Guaianases completamente vazia durante sua reciclagem. Reprodução/Redes Sociais 'Humilhação e perversidade' Rute é da mesma delegacia de ensino do diretor Carlos Roberto Cardoso, diretor da EMEF Caio Sérgio Pompeu de Toledo, em Cidade Tiradentes, Zona Leste de São Paulo. Como a jornada de trabalho dele na rede municipal é pela manhã, há três semanas ele vai regularmente às 7h para a DRE Guaianases cumprir sua carga horária obrigatória. Chegando lá, ele conta que aguarda sozinho numa sala até cerca de 8h30, quando chegam os primeiros funcionários da DRE. Ao g1, ele narrou que o suposto instrutor de reciclagem entra na sala, entrega o material do dia para leitura, tenta um diálogo e vai embora. “A gente tem percebido que não existe um planejamento central do que se pretende fazer com os diretores afastados. Conversando com os outros diretores nessa condição, verificamos que cada DRE está indo para um caminho, apresentando materiais diferentes e sem um objetivo central de melhorar a escola”, comentou Cardoso. “Geralmente os assuntos que eles estão nos trazendo não têm nenhuma relação com o cotidiano que a gente vive nas escolas municipais de territórios carentes. Como forma de resistência, a gente se recusa a dialogar sem um cronograma e um plano de aprendizagem. E muito respeitosamente os funcionários entendem. Alguns até pedem desculpas por estarem nos submetendo a esse tipo de situação”, declarou. A DRE Guaianases tem três diretores afastados participando do programa oferecido pela prefeitura. Cada um deles vai em um horário diferente. “Estamos sendo submetidos a um processo de humilhação pública e de perversidade sem precedentes no serviço público municipal. O secretário Padula nem sequer nos afastou oficialmente em Diário Oficial e não nomeou os substitutos para não criar fatos contra si que podem ser objeto de ação na Justiça ou do Ministério Público", afirma Cardoso. "Enquanto isso, as nossas escolas estão abandonadas. Há crianças que criaram vínculos conosco que não podemos atender porque estamos proibidos de retornar às escolas”, desabafou. A pasta comandada por Padula admitiu que ainda não nomeou os substitutos desses diretores em Diário Oficial, mas disse que "os assistentes serão designados pelos próprios diretores, com divulgação após a devida tramitação". Uma diretora da Zona Oestes de SP que prefere não se identificar diz que, durante três semanas de formação, foi entregue para ela um roteiro de leituras que ela questiona se precisava mesmo ser cumprido dentro da delegacia regional. “Na minha área só tem eu e uma outra diretora que está em férias afastadas. Então, na prática, os seminários de trocas propostos e publicados no Diário Oficial não estão acontecendo porque estou sozinha. Essas oito horas e meia de leitura que eu fico sozinha na DRE podiam ser cumpridas na escola perfeitamente. Além disso, são leituras que não tem nada de inovador na gestão escolar. A gente questiona aonde eles querem chegar com esse material fraco e facilmente questionável”, disse. E emendou: "Esse tipo de atividade em SME antes era para diretores que tinham cometido algo muito grave, que estavam passando por processo administrativo com direito ao contraditório e defesa. Nunca aconteceu por desempenho de escola". "A gente se sente desorientado e humilhado, sem direito a defesa e contraditório. Sem contar o reflexo disso dentro da comunidade escolar, onde os alunos já acham que o afastamento se deu por quê eles têm baixo desempenho, que são incapazes. O desamparo das famílias. É um processo que não tem reflexos positivos até agora", completou. O que diz a Prefeitura de SP O prefeito Ricardo Nunes (MDB) ao lado do secretário de educação, Fernando Padula Divulgação/PMSP Por meio de nota, a Secretaria Municipal da Educação (SME) declarou que “não é verdade que os diretores convocados para a formação cumprem carga horária dentro das diretorias regionais de educação sem atividades pedagógicas ou mentoria”. “Desde que a formação teve início, no dia 9/6, os gestores já cumpriram 50 horas de atividades. Está incluída nessa programação um trabalho de pesquisa-ação cumprido individualmente pelo diretor, sem a necessidade da presença de formadores da SME”, afirmou a secretaria. Segundo a gestão Nunes, pelo cronograma da formação, distribuídas de segunda a sexta-feira, a carga horária inclui: 4 horas em local de livre escolha do diretor 8 horas na própria unidade educacional 28 horas nas DREs ou na SME, conforme calendário previsto “Com a implementação do Programa Aprimorando Saberes, a Secretaria reafirma seu compromisso de avançar na gestão pedagógica para melhorar a aprendizagem de todos os estudantes da rede municipal de ensino”, declarou a pasta. Critérios de afastamento Sala de aula de escola na Zona Leste de SP Renata Bitar/g1SP Os diretores afirmam que são alvo de uma retaliação política da gestão por serem contrários ao que os profissionais chamam de "projeto de mercantilização do ensino público". “Em comum, nós somos 25 diretores que têm atuação profunda dentro das comunidades. Eu sou respeitada em Paraisópolis e entro sem escolta policial porque faço a ponte de ajuda entre as mães solteiras que só têm a escola como rede de apoio", declarou a diretora Alessandra Messias. E completa: "Criei programas antirracistas e de denúncia de abusos de meninas durante a pandemia. Sou formada e pós-graduada em direitos humanos. Publicamente sou uma pessoa que luto pela valorização do ensino público de qualidade. Sou contra projeto de mercantilização do ensino público por princípio. E isso não deve agradar a gestão municipal”. O deputado estadual Carlos Gianazi (PSOL), que acompanha de perto essa questão, classificou o afastamento dos professores como 'assédio e perseguição'. Ele acionou o Ministério Público e o Ministério da Educação para que tomem providências sobre o caso. “O afastamento dos diretores é um absurdo! A diretora Ruth expôs a farsa da ‘formação intensiva’. Isso não é formação, é assédio! É uma perseguição covarde da gestão Nunes, que prejudica as escolas e humilha os diretores, isolando-os nas DREs sem função”, afirmou. Por meio de nota, a secretaria informou, desde o início do processo de afastamento dos diretores, em maio, que "a seleção das 25 unidades escolares prioritárias seguiu critérios técnicos e transparentes, que levaram em consideração preferencialmente os indicadores do Ideb 2023. No caso das escolas que não tiveram esse índice divulgado, devido à participação inferior a 80% dos estudantes nas provas aplicadas, foi utilizado o Idep 2023". Porém, um estudo realizado por pesquisadores da Rede Escola Pública e Universidade (Repu) afirma que o afastamento dos diretores foi “arbitrário e sem critérios objetivos”. Fachada do prédio da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, na Vila Clementino. Divulgação A Repu é composta por professores e pesquisadores de universidades públicas (UFABC, UFSCar, Unicamp, Unifesp e USP), do Instituto Federal de São Paulo e da rede estadual de São Paulo. Os pesquisadores verificaram que a secretaria utilizou uma mescla aleatória de indicadores para tomar decisão sobre as escolas: algumas foram avaliadas pelo seu desempenho no Ideb, outras, no Idep; algumas pelo desempenho nos anos Anos Iniciais, outras, nos Anos Finais. Os índices têm critérios diferentes. O Ideb é calculado com base no desempenho dos estudantes em provas padronizadas de português e matemática, aplicadas a cada dois anos. Enquanto o Idep pode levar em conta outras disciplinas (ciências naturais, humanas e produção de texto), a depender da série analisada. Portanto, a pesquisa concluiu que foi adotado um procedimento tecnicamente inconsistente. Leonardo Crochik, professor do Instituto Federal de São Paulo e um dos autores da Nota Técnica, pontua que “fazer um uso sistemático dos indicadores para uma ação como essa já seria altamente questionável. Mas quando se descobre que a Prefeitura de São Paulo, ainda por cima, pinçou índices aleatórios para justificar a intervenção em cada escola, a situação torna-se muito pior: o que vemos é uma ação arbitrária e incompatível com princípios elementares da gestão pública”. LEIA TAMBÉM: Justiça dá 72 horas para Prefeitura de São Paulo se explicar sobre afastamento de diretores de 25 escolas Requalificação de diretores afastados pela Prefeitura de São Paulo começa em 2 de junho; Defensoria questiona critérios Entenda por que diretores da rede municipal de SP foram afastados, quais os indicadores utilizados e as críticas à medida Desempenho não justifica intervenção A análise da Repu revela que nenhuma das 25 escolas que tiveram seus diretores afastados ocupa as últimas posições da rede municipal nos indicadores citados. Pelo contrário: parte dessas unidades apresentou desempenho acima da média da cidade tanto no Ideb quanto no Idep. Portanto, a depender da escolha do índice utilizado, uma escola poderia estar posicionada tanto em situação de desvantagem quanto de vantagem em relação às demais escolas da rede municipal. Em um dos casos, a escola está entre as 11 melhores do município no cumprimento das metas do Ideb 2023 para os Anos Finais do Ensino Fundamental — sendo uma das poucas a alcançar o resultado esperado. “O uso de indicadores de avaliações de larga escala para intervir em escolas e responsabilizar gestores individualmente não tem fundamento estatístico e desconsidera os diferentes contextos de trabalho nas escolas”, adverte Fernando Cássio, professor da Faculdade de Educação da USP. Os pesquisadores afirmam que "indicadores educacionais oferecem informações limitadas sobre a qualidade da educação pública, e jamais deveriam ser utilizados com finalidades de premiação ou punição de educadores". VÍDEO: alunos se comovem com afastamento de diretor de escola municipal de SP O que diz a secretaria "A Secretaria Municipal de Educação (SME) reafirma que a seleção das 25 unidades escolares prioritárias seguiu critérios técnicos e transparentes, que levaram em consideração preferencialmente os indicadores do Ideb 2023. No caso das escolas que não tiveram esse índice divulgado, devido à participação inferior a 80% dos estudantes nas provas aplicadas, foi utilizado o Idep 2023. Outro critério para a definição das unidades foi o tempo de atuação de, pelo menos, quatro anos dos diretores no cargo. Importante destacar que o processo se baseou nos resultados dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental obtidos por cada escola. Das 25 unidades educacionais selecionadas, 16 foram escolhidas com base nos índices dos anos iniciais, sendo 11 pelo Ideb e 5 pelo Idep 2023; 9 escolas foram selecionadas com base nos índices dos anos finais, sendo 1 pelo Ideb e 8 pelo Idep 2023. Ressalta-se, ainda, que todas as 25 escolas não atingiram as metas estabelecidas pelo Ideb nas duas últimas edições. Em 2023, foi considerada a meta projetada para 2021, conforme decisão do MEC/INEP, em razão dos impactos provocados pela pandemia. Na lista abaixo, entre parênteses, seguem os critérios para a seleção das escolas: CEU EMEF Professor Antonio Carlos Rocha (IDEB AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023) EMEF Professor Aroldo de Azevedo (não teve Ideb AF 2023 divulgado; sem alcance da meta projetada, Idep abaixo de 3.3) EMEF Almirante Ary Parreiras (IDEB AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023) EMEF Deputado Caio Sérgio Pompeu de Toledo (não teve o Ideb AF divulgado em duas edições e com Idep Até 3.3) CEU EMEF Campos Salles (IDEB AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023) EMEF Cecília Moraes de Vasconcelos (não teve o Ideb AI divulgado; Idep abaixo 3,7) EMEF Professora Daisy Amadio Fujiwara (Não teve o IDEB AF divulgado em duas edições e com IDEP até 3,3) EMEF Dilermando Dias dos Santos (IDEB AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023) EMEF Professora Eda Terezinha Chica Medeiros (IDEB AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023) EMEF Espaço de Bitita (IDEB AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023) EMEF Professor Flávio Augusto Rosa (não teve o Ideb AF divulgado em duas edições e com Idep até 3.3) EMEF Geraldo Sesso Junior (não teve o Ideb AI divulgado; teve Idep abaixo 3,7) EMEF Ibrahim Nobre (não teve o Ideb AI divulgado; Idep abaixo 3,7) EMEF João XXIII (não teve o Ideb AF divulgado em duas edições e com Idep Até 3.3) EMEF Mário Lago (Ideb AF até 4,3; não atingiu sua meta projetada em 2023) EMEF Mururés (Ideb AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023) EMEF Professora Olinda Menezes Serra Vidal (IDEB AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023) CEU EMEF Paraisópolis (não teve o Ideb AF divulgado em duas edições e com Idep até 3.3 ) EMEF Pedro Américo (não teve o Ideb AF divulgado em 2023 e com Idep até 3.3) EMEF Pedro Teixeira (IDEB AF até 4,3; não atingiu sua meta projetada em 2023) EMEF Perimetral (Ideb AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023) EMEF Plínio Marcos (não teve o Ideb AI divulgado; Idep abaixo 3,7) EMEF Saturnino Pereira (IDEB AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023) EMEF Sud Mennucci (IDEB AI até 4,9; não atingiu sua meta projetada em 2023) EMEF Vinicius de Moraes (IDEB AF até 4,3; não atingiu sua meta projetada em 2023)."

FONTE: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2025/06/25/diretores-afastados-apontam-improviso-e-falta-de-mentoria-em-curso-de-reciclagem-da-gestao-nunes-ficamos-sos-olhando-para-as-paredes.ghtml


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