Brasileira relata ter sido deportada da França com visto válido e denuncia racismo
09/06/2025
(Foto: Reprodução) Márcia Rodrigues Silva cursava doutorado em Portugal e, após o fim do curso, viajou a lazer para Paris. Quando desembarcou por lá, foi detida, diz que teve seu passaporte retido sem explicações e foi devolvida para Portugal. Itamaraty disse, em nota, que 'permanece à disposição para prestar a assistência consular devida'. Consulado francês não respondeu. Brasileira relata ter sido deportada da França com visto válido e denuncia racismo
Uma brasileira estudante de doutorado afirma ter sido deportada da França mesmo estando com um passaporte válido. Ela conta que chegou a ter o documento retido sem explicações.
O caso ocorreu em 21 de maio. Márcia Cristina Rodrigues Silva, de 31 anos, vive em São Paulo, mas fez uma parte do doutorado em Porto, Portugal. Isso porque ela faz o curso na modalidade sanduíche, quando o estudante realiza uma parcela de seus estudos em uma instituição estrangeira e outra parte no Brasil.
Após a conclusão do curso, resolveu tirar uns dias de lazer para conhecer outros lugares da Europa e escolheu Paris, na França.
"Eu fui muito tranquila porque o meu visto era de estudante, então, como eu estava fazendo doutorado, fiquei com a cabeça tranquila. Procurei a AIMA, Agência para Integração, Migração e Asilo de Portugal, para checar se estava tudo certo com o meu visto, se precisava de mais algum documento para viajar, e eles disseram que não, que estava tudo certo", conta.
A estudante Márcia Rodrigues.
Arquivo pessoal
Márcia comprou as passagens de Porto para Paris e, no dia da viagem, ao desembarcar no aeroporto Paris Beauvais, quando passou pelos agentes da imigração, foi abordada e conduzida para uma sala com outros imigrantes.
Ela conta que, quando chegou sua vez na fila de imigração, a agente pegou o seu passaporte e começou a conversar com um colega de equipe. Nisso, Márcia foi chamada para uma sala em que estava outro policial e não recebeu seu passaporte de volta. Todas as pessoas que estavam na sala com ela eram pretas.
"Eu estou no processo de aprender inglês. Além do português, falo espanhol, e eles falando só em francês. Até tentaram arranhar um inglês, mas não estavam muito abertos. Me levaram para uma sala, pegaram o meu passaporte. Tentei conversar, tentei usar o Google Tradutor para me comunicar e entender o que estava acontecendo, mas toda vez que eu me levantava, o policial gritava comigo e colocava a mão na arma que estava na cintura", continua.
Coagida a assinar documento
Com a ajuda de uma brasileira que também estava na sala e falava francês, Márcia descobriu que os agentes alegaram que ela só poderia circular por países da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).
"Essa informação era nova para mim, então eu tentei ser o mais cordial possível e fiquei sentada no meu canto, até o momento em que o guarda pediu que eu me levantasse. Ele pegou um documento e usou o Google Tradutor para dizer que eu tinha que assinar aquilo", afirmou.
"E aí ele falou: 'Você vai voltar para Portugal e você não pode nem pisar em nenhum país da Europa, a não ser Portugal, porque, se você pisar, vai ser muito pior para você', em um tom de ameaça mesmo", completou.
Mesmo sem saber o teor do documento e, por pressão, Márcia assinou o papel e foi colocada em um voo de volta para Portugal, mas, desta vez, para o Aeroporto de Lisboa e não Porto, que era seu local de origem.
No avião, ela diz que entrou em pânico.
"Ficou ecoando na minha cabeça o que ele falou para mim, de eu não poder pisar em nenhum outro país da Europa. Porque eu já ia voltar para o Brasil dia 26, com uma escala na Alemanha. Eu não estava me importando com o documento que tinha assinado, eu estava com pavor de ter que passar pela Alemanha na volta, porque se foi difícil em Paris, imagine em outro país", afirmou.
Ao desembarcar em Lisboa, Márcia procurou ajuda de amigos do doutorado para encontrar um local para passar a noite e se organizar para retornar a Porto, onde estava com hospedagem.
Em Porto, Márcia procurou o consulado brasileiro para verificar o que estava errado em seu passaporte e no visto para ter causado o problema.
No consulado, foi informada que o seu visto segue válido e permite a livre circulação no Espaço Schengen, que inclui a França. "O vice-cônsul brasileiro que me atendeu disse que provavelmente acabei assinando um documento, sem saber, que impede a minha entrada na Europa por três anos e que o que foi feito comigo foi maldade mesmo, considerando que eu já tinha passagem de volta para o Brasil."
"Eles não me deram nenhuma cópia do documento, não colocaram nenhuma pessoa para traduzir ou para me ajudar naquele momento. O vice-cônsul me disse que eu posso ter passado por uma questão de racismo e só depois disso comecei a ver desta maneira. De início, eu realmente não queria levar para o lado do racismo. Até por ser uma pessoa militante, às vezes eu tenho medo de estar condicionada a ver dessa forma."
Após o ocorrido, Márcia desenvolveu sintomas de ansiedade. Na volta para o Brasil, teve uma crise de pânico na conexão, na Alemanha, ao passar pelo controle de passaportes.
"Comecei a ficar suando pelas mãos em determinadas situações, desenvolvi uma gagueira que antes eu não tinha. Porque o racismo enlouquece uma pessoa preta, porque acontece uma coisa dessa, aí eu começo a remoer na minha cabeça se foi realmente isso, se merecia toda essa repercussão, se eu não estou fazendo uma tempestade num copo d'água", diz ela.
Ao chegar ao Brasil, em 26 de maio, a estudante entrou em contato com o Itamaraty sobre a situação, mas ainda não teve retorno.
Em nota, o Itamaraty informou que "o Ministério das Relações Exteriores, por intermédio de sua rede consular, permanece à disposição para prestar a assistência consular devida. A atuação consular do Brasil pauta-se pela legislação internacional e nacional".
O g1 procurou o consulado da França em São Paulo e a Embaixada da França no Brasil para entender o que ocorreu na abordagem da estudante, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.