Aliados invisíveis no solo: como fungos podem substituir químicos no combate a doenças agrícolas
18/04/2025
(Foto: Reprodução) Trichoderma tem se mostrado promissor no controle de doenças como o mofo branco e está transformando manejo agrícola no Brasil. Embrapa e Unesp são parceiras em estudos. Pesquisadores avaliam potencial de fungo combater doenças como o mofo branco na soja
Gerald Holmes
O avanço dos agentes biológicos no controle de doenças agrícolas tem ganhado cada vez mais espaço nas lavouras brasileiras. Entre eles, o fungoTrichoderma asperelloides se destaca como uma alternativa poderosa e sustentável ao uso de defensivos químicos, como mostram pesquisas realizadas em diferentes regiões do país.
Um exemplo vem da Fazenda Escola Capão da Onça, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no Paraná, onde o Trichoderma tem sido utilizado de forma intensiva nos últimos quatro anos com resultados expressivos. Segundo o entomologista e pesquisador Orcial Ceolin Bortolotto, o uso contínuo do fungo vem resultando em ganhos visíveis de produtividade e saúde do solo.
Siga o canal g1 Ribeirão e Franca no WhatsApp
“Ele é um agente biológico que promove o equilíbrio no solo, reduzindo a presença de patógenos e favorecendo organismos benéficos”, explica.
Como é a aplicação do fungo e onde ele se mostra eficaz?
Na prática, o Trichoderma age diretamente sobre doenças de solo, como o mofo branco (Sclerotinia sclerotiorum), uma das mais desafiadoras em culturas como a soja e o feijão, principalmente em regiões de maior altitude, como os Campos Gerais do Paraná.
“O mofo branco tem estruturas que sobrevivem por mais de dez anos no solo. O Trichoderma é uma das poucas ferramentas que consegue inativar essas estruturas com eficiência superior, inclusive, a muitos produtos químicos”, afirma Bortolotto.
A aplicação pode ser feita no sulco de plantio, com equipamentos adaptados à semeadora, ou pulverizada diretamente no solo, especialmente em períodos de entressafra ou nos estágios iniciais da cultura. “O ideal é aplicar duas vezes por ano. Quanto maior o tempo de uso, melhores são os resultados”, ressalta o professor.
Mais do que controlar doenças, o Trichoderma também atua como bioestimulante, favorecendo o crescimento das raízes e o desenvolvimento das plantas.
“Ele pode até funcionar como um indutor de resistência, fortalecendo os mecanismos naturais de defesa da planta e ajudando na redução de doenças foliares e até pragas, como a cigarrinha-do-milho”, destaca.
Na última safra de soja da Fazenda Escola, o manejo biológico trouxe um ganho médio de 20 sacas por hectare, resultado de um pacote que combinou o uso de Trichoderma, bactérias benéficas e fungos entomopatogênicos.
“Mas isso não acontece da noite para o dia. É preciso tempo, continuidade e integração com outras práticas, como plantio direto, rotação de culturas e uso criterioso de defensivos”, alerta Bortolotto.
Fazenda Escola, na UEPG/PR, pratica controle biológico de pragas em cultivos de milho e soja.
Arquivo Pessoal
Outras soluções biológicas
Além do Trichoderma, outras tecnologias sustentáveis estão sendo testadas e aplicadas, como o Azospirillum, uma bactéria que estimula o crescimento de plantas de milho e tem mostrado bons resultados quando associada ao manejo químico ou biológico de pragas.
Segundo Bortolotto, o manejo biológico de pragas também tem avançado com a aplicação de outros fungos como Beauveria bassiana e Cordyceps javanica. Essas duas espécies, apesar de distintas, possuem diferentes cepas e linhagens que demonstram alta eficácia no controle de pragas, tanto na soja quanto no milho, especialmente quando aplicadas por via aérea.
“O biológico não é mais promessa, é realidade. E quando bem integrado a um sistema de manejo moderno e consciente, é uma das ferramentas mais poderosas que temos para produzir mais e com menos impacto ambiental”, conclui.
À esquerda, imagem do fungo Trichoderma asperelloides. À direita, incidência de mofo branco em cultivo de algodão.
Lucas Guedes/Gerald Holmes
Manejo biológico de pragas: pesquisas
Em um estudo da Embrapa Meio Ambiente com a Universidade Estadual Paulista (Unesp), os pesquisadores avaliam a utilização do Trichoderma asperelloides contra patógenos que afetam culturas de grãos e hortifrúti com grandes prejuízos econômicos.
A grande novidade está na forma de aplicação. O fungo foi formulado em grânulos secos a partir de farinha de arroz, que funcionam como “sementes biológicas”, que, ao serem aplicadas no solo, germinam e combatem os patógenos de forma natural, sem necessidade de químicos.
“Conseguimos ampliar a produção e garantir maior estabilidade ao Trichoderma, tornando o controle biológico mais acessível ao produtor”, afirma Lucas Guedes, pesquisador da Unesp e autor da tese de doutorado que desenvolveu o método.
Além de reduzir a dependência de fungicidas químicos — que são caros, poluentes e perdem eficácia com o tempo — a nova técnica reforça os princípios da economia circular. A escolha da farinha de arroz como substrato não é por acaso: trata-se de um insumo abundante, de baixo custo e que agrega valor a resíduos agroindustriais.
Os grânulos com o fungo mantêm a viabilidade por até 24 meses quando armazenados sob refrigeração. Isso garante um prazo de uso mais longo e facilita a distribuição em diferentes regiões do Brasil. E mais: com o uso de embalagens que controlam umidade e oxigênio, os grânulos podem manter sua eficácia até mesmo fora da refrigeração — ideal para pequenos produtores com menos infraestrutura.
LEIA TAMBÉM
Com impulso do milho, Centro-Sul encerra safra com novo recorde histórico na produção de etanol
Plano Safra: Abimaq sugere R$ 21 bilhões para modernizar máquinas agrícolas, mas vê cenário crítico para obtenção de crédito rural
Mais que mofo branco
O estudo não se limita ao combate ao mofo branco. Testes mostraram que o Trichoderma asperelloides também atua contra uma gama de patógenos do solo, como Fusarium, Rhizoctonia e Pythium, e até mesmo contra nematoides, dependendo do isolado utilizado.
Esse amplo espectro de ação pode beneficiar desde lavouras de grande escala até hortaliças, tornando o bioproduto uma ferramenta versátil na agricultura.
“Estamos diante de uma solução sustentável, eficiente e adaptável a diferentes realidades do campo. (...) A valorização de resíduos como o arroz quebrado reforça ainda mais o compromisso com a sustentabilidade”, destaca Gabriel Mascarin, pesquisador da Embrapa.
Para otimizar a produtividade do fungo, os pesquisadores testaram fontes alternativas de nitrogênio no substrato. Ingredientes como levedura hidrolisada e licor de milho se mostraram mais eficazes do que fontes inorgânicas convencionais, como o sulfato de amônio. O resultado: mais conídios — as estruturas reprodutivas do fungo — e maior viabilidade do produto final.
Wagner Bettiol, também da Embrapa, vê nos grânulos uma solução de longo prazo:
“Eles funcionam como pequenos biorreatores no solo, liberando o fungo de forma gradual e precisa. E sem gerar resíduos ambientais, tanto na produção quanto na aplicação.”
Tecnologia com raízes no futuro
Ainda há desafios para que o uso do Trichoderma asperelloides se consolide em larga escala. A produção em biorreatores sólidos requer controle rigoroso de umidade e temperatura, e a padronização do produto é fundamental para garantir eficácia. Além disso, é necessário vencer barreiras culturais, como a preferência de parte dos produtores por defensivos químicos.
Mas o cenário é promissor. A demanda por alimentos livres de resíduos químicos, aliada à pressão por práticas agrícolas mais sustentáveis, deve impulsionar a adoção de soluções biológicas como esta.
“O Brasil tem todas as condições para liderar essa nova fase da agricultura. Estamos unindo produtividade, ciência e responsabilidade ambiental em uma só proposta”, afirma Bettiol.
Mofo branco é registrado em lavouras de soja da Região Noroeste do RS
Veja notícias da Agrishow 2025
VÍDEOS: Tudo sobre Ribeirão Preto, Franca e região